quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Melancolia Por: Bruno Carmelo

No pôster brasileiro deste filme consta a imagem de Kirsten Dunst, vestida de noiva, deitada no leito de um rio. A versão do pôster durante o festival de Cannes apresentava uma frase suplementar sobre a imagem, em letras imensas: “O fim do mundo será belo”. Esta talvez seja a frase ideal para resumir o tema e a abordagem de Melancolia: o choque entre a beleza e a tristeza, entre a catarse (fim do mundo) e o deleite estético, entre a ação do apocalipse anunciado e a apatia da melancolia.

As primeiras imagens em tela constituem longos planos, em câmera lentíssima, com imagens fragmentadas e angustiantes dos personagens. Todas estas inserções ganharão um sentido preciso mais tarde, mas o espectador ainda não tem como sabê-lo. Por isto, este início não narrativo parece apresentar apenas o prazer estético da imagem em si, o que remete claramente ao “autor de cinema” Lars Von Trier, enquanto criador de imagens, enquanto talento de uma concepção visual. Constribui a esta impressão o fato de os letreiros anunciarem o título em conjunto com o nome do diretor, ambos do mesmo tamanho – e portanto da mesma importância.

Esta apresentação “autoral” conduziu grande parte da crítica e do público a interpretar o filme apenas como uma emanação da personalidade do realizador, falando em sua misoginia, niilismo, depressão, sua relação complicada com as atrizes e sua frase polêmica durante o festival de Cannes. Melancolia foi visto como uma espécie de exorcismo e/ou psicanálise do seu autor – fator curioso quando se vê que nem todos os filmes tristes são interpretados como frutos de um autor triste, ou filmes alegres vindos de uma personalidade contente, obras cruéis de diretores cruéis e assim por diante.

Mas esta obra é também um interessantíssimo exercício de storytelling – a arte de contar histórias. A maneira como a informação é distribuída e apresentada ao espectador é inovadora e fundamental para a construção do filme. Afinal, começa-se com as imagens ainda sem sentido narrativo, que sugerem (compreendemos mais tarde) o filme inteiro, do início ao fim. Estas imagens incluem a colisão espetacular entre o planeta Melancolia e a Terra e, quando o público percebe enfim que estes planos são premonitórios, antecipa-se o final do filme. O roteiro retira o prazer da adivinhação (“Será que o planeta vai chegar ou não?”) para oferecer ao espectador a crônica de uma morte anunciada.

Iniciando a narrativa propriamente dita, o filme se divide entre suas duas personagens principais, Justine e Claire. Seus nomes não são nada anódinos, com referências morais (justiça e clareza) e mesmo eventuais citações à personagem Justine do Marquês de Sade, aquela torturada pela destino e morta por raios vindos do céu. Estas duas mulheres representam medos e melancolias diferentes, de maneiras complementares e indissociáveis. A apresentação de cada uma corresponde à apresentação de sua psicopatologia respectiva: Justine está profundamente depressiva, e será confrontada com o evento supremo das hipocrisias e das alegrias, no caso, o seu próprio casamento. Já Claire sofre com o medo do apocalipse, e com a certeza arrogante de seu marido burguês e dominador, que lhe garante que não há riscos de uma colisão entre a Terra e Melancolia.

Compreende-se aos poucos a personalidade de cada uma, ainda misteriosa durante a cena do casamento. À medida que tornamo-nos mais familiares com Claire e Justine, e que nos identificamos com estas duas mulheres, a Melancolia/morte se aproxima. A narrativa cativa o espectador para depois frustrá-lo, numa estrutura que se poderia chamar de sádica. Este aspecto cósmico é curiosamente gerado apenas no núcleo familiar, sem menção alguma a uma vida social, nem ao possível medo da população ao redor.

Melancolia é um filme intimista, e sua catástrofe vinda do exterior parece atingir apenas a família central. A melancolia e o fim do mundo chegam apenas para elas – e para o público. Nem uma menção sequer no casamento, nenhuma referência de outros personagens. “O fim do mundo será belo”, certamente, e ele será também individual, secreto, metafísico e desprovido da presença divina. O grande interesse desta representação grandiosa da depressão é torná-la algo que se impõe à pessoa, algo planetário e inevitável. “Não existe vida lá fora”, garante Justine, a irmã que “sabe das coisas”, como ela mesma diz. “Não há para onde correr”, completa a outra irmã, fatalista. Em Melancolia, o ser humano está condenado, e resta apenas contemplar e esperar a punição final.

Melancholia (2010). Filme dinamarquês-francês-suíço-alemão dirigido por Lars Von Trier. Com Kirsten Dunst (Justine), Charlotte Gainsbourg (Claire), John Hurt (Dexter), Kiefer Sutherland (John), Charlotte Rampling (Gaby), Stellan Skarsgard (Jack), Alexander Skarsgard (Michael), Brady Corbet (Tim)





Lars Von Trier exibe nas suas histórias muitos simbolismos e metáforas que personificam na tela na verdade toda sua desconfiança na humanidade e total descrença em ações ou entidades miraculosas.

Um comentário:

  1. Muito interessante, gostei do filme anterior, Anti-Cristo (não sei se era o anterior).
    Vou procurar assistir.

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